quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O Herói Negro Sergipano


    JOÃO MULUNGU, NEGRO LIBERTÁRIO, último e o mais sagaz líder dos quilombos de Sergipe D’EL Rey, nascido nas senzalas do engenhos Flor da Roda, em Laranjeiras, no ano de 1851 (presumível), escravo de propriedade de João Pinheiro de Fraga, dono do Flor da Roda.
     João Mulungu, amplamente citado por diversos historiadores, inclusive pelo brasilianista Robert Conrad, como o mais importante defensor da causa negra, na luta contra a escravidão, além de entre outras citações, a cognominação de Zumbi Sergipano.
     Dentre os companheiros de João Mulungu, no ato da revolução escrava em Sergipe, destaca-se: Manoel Jurema, Pedro, Quirino, Galdino, dentre outros.
     Acredita-se que desde os anos 60 que João Mulungu fazia parte dos grupos revolucionários, tendo em vista que Laranjeiras era tida e havida como o berço das ideias progressistas e revolucionárias de Sergipe, palco, portanto, da difusão dos pensamentos humanistas e d as ações liberais como prática de liberdade, além de ter o maior e mais complexo contingente de negros em Sergipe, provenientes de diversas tribos e nações, combinada com as pressões internas a favor do abolicionismo, no que pese o apartheid imposto pela Igreja através das irmandades.
     O quilombo predatório ou de estrada, como estratégias externas dos antigos quilombos africanos, foi o instrumento mais utilizado por João Mulungu, pois a intinerância servia como cortina de fumaça contra os batalhões da polícia em perseguições constantes. A tônica libertária como objetivo meta, propiciou, em diversos levantes, liberdade através das fugas, a milhares de escravos, além de fortalecer o contingente em todos os municípios de Sergipe, como ponto de abrigo e apoio estratégico.
     Ao longo de sua trajetória à frente da revolução escrava, sua liderança foi sempre contestada pelo sistema e pelo poder, que sempre se esmeraram para tê-lo como troféu, na batalha de manutenção do poder.
     Suas técnicas, amplamente identificadas e utilizadas pelo sistema contra opositores e, após a execução dos atos, declinavam a autoria a João Mulungu; foi assim por muito tempo que o governo provincial, deu combate aos seus opositores políticos.
     Por traição de um dos escravos do Flor do Roda, de nome Seberino,  João Mulungu, foi capturado, coincidentemente nas terras do  Engenho em que nasceu e evadiu-se quando descansava com seus companheiros à sombra dos bananais. Às 12 horas do dia 19 do janeiro, em Laranjeiras, e imediatamente conduzido ao quartel de Divina Pastora sob guarda do capitão João Batista da Rocha Banha, comandante da diligência.
     No afã de notoriedade e na pressa em divulgar o ato e sobressair no cenário nacional, o governo provincial dava dimensão ao caso em seus Relatórios à Assembléia Provincial, de 1º de janeiro, fevereiro e março, chegando  a afirmar em relatório de 1º de março, que “Pode ter 25 anos mais ou menos, é crioulo, de estatura regular, e como bem o qualificam ‘um pouco ladino e insinuante, resignado hoje com a sua sorte, preferindo contudo ser enforcado na praça pública a voltar para casa do seu senhor’”. Em outro documento, o próprio governo afirma que João Mulungu, “...o mais forte elemento da resistência, o calhambola João Mulungu, e todos dizem ser o mais audaz, o chefe dos escravos fugidos, foi capturado no dia 13 de janeiro corrente...”.
     Efetivamente o presidente da província, João Ferreira de Araújo Pinho, iniciou toda uma manipulação em torno do nome de João Mulungu, divulgando sua morte, quando na verdade desde 1835 não poderiam mais enforcar escravos no Brasil e diversos documentos, mesmo confusos, demonstram que até dezembro João Mulungu estava vivo, sendo transferido de cadeia em cadeia, sendo inclusive, condenado a um ano de galés, enquanto seu companheiro Manoel Jurema era condenado à pena máxima. Efetivamente, João Mulungu foi uma presa preciosa nas mãos do governo, que, querendo mostrar serviço, declara extintos os quilombos em Sergipe, com a prisão e morte de João Mulungu, o que eu na prática só fez recrudescer a ação, tendo em vista as manifestações isoladas de diversos grupos, em toda a província, até o alvorecer de maio de 1888.
     A prisão de João Mulungu e seu confinamento histórico só serviu de instrumento para promoções das autoridades que serviam ao sistema e tinham no mascaramento do negro sua meta de vida.
     A luta do negro em Sergipe, na busca da liberdade contra a escravidão, foi uma das mais tenazes e ferozes do Brasil, como também feroz foi a escravidão, onde os delírios dos senhores, tornava a escravidão ou seja os escravos, passível de qualquer penalidade, pela violência praticada. Paradoxalmente diversos senhores de engenho davam guaridas aos quilombolas, além de praticarem abertamente o tráfico interprovincial dos escravos reclamados pela justiça.
     João Mulungu, marco da resistência em Sergipe, simboliza as aspirações democráticas dos sergipanos, independente da raça ou posição econômica. Herói negro sergipano, cristalizando os anseios de liberdade do povo brasileiro em todos os momentos em que a opressão determina a ação e comportamento dos homens. Lutou, não pela sua liberdade, mas pela liberdade do seu povo, seu nome, em Laranjeiras, em Sergipe e no Brasil. Deve ser tão repeitado e reverenciado como tantos outros heróis que deram sua vida pela liberdade de sua gente, dentre eles:
     Zumbi
     Lucas Dantas
     Manoel Balaio
     Chico Rey
     Ambrósio Isidório
     João Cândido
     Manoel Congo
     Luiza Mahim
     Zeferina
     Pedro Cosme, etc.

    Seu reconhecimento oficial começou pelo Legislativo de Laranjeiras, através do Decreto-Lei 407, de 08 de agosto de 1990. Em Aracaju, através da Lei 1.856, de 14 de julho de 1992 e finalmente o Legislativo Estadual o reconhece através do Decreto-Lei  4.192, de 23 de dezembro de 1999, consagrando o 19 de janeiro como o Dia Estadual de Luta da Comunidade Negra, em honra ao Herói Negro de Sergipe: João Mulungu, que logo depois saudou Quintino de Lacerda, Herói Negro de Itabaiana sagrado em setembro de 2001, pela Lei Municipal nº 965.













Fonte: D'Acelino, Severo―Panáfrica África Iya N'la / Severo D 117 p D'Acelino―Aracaju: MemoriAfro, 2002, 169p.

Priscila Tintiliano

Um comentário: