Violência e Fuga
A violência do
sistema escravista gerou a revolta do negro. A desconfiança e o medo caracterizavam,
reciprocamente, as difíceis relações entre senhores e escravos. Câmaras
Municipais disciplinavam, minuciosas, várias proibições. A Resolução nº 536, de 12/7/1858, do
Presidente João Darney de Avelar Brotero, aprova as Posturas da Vila da Lagoa Vermelha
(atual Boquim), que proibiam a venda de pólvora a escravos (art. 31) e não
permitiam que eles vendessem açúcar “sem ordem por escrito do seu senhor” (art.
40).
Os negros, vítimas maiores de todas as
calúnias. É o caso da chamada Rebelião dos Pardos, em Brejo Grande. Difundiu-se
a notícia de que os negros planejavam eliminar todos os brancos no dia de
Natal. A notícia chegou ao conhecimento do governo, motivando em 12/12/1827
sessão do Conselho da Província. O Conselho, naquela altura desesperado, chegou
a pedir o apoio da igreja para enfrentar e resolver o grave problema.
Resultado, não houve rebelião, ninguém foi eliminado, a Província em geral,
Brejo Grande de modo particular, viveu tranquila o seu Natal. Destruía-se mais
uma calúnia dos brancos escravistas.
O cativo enfrenta, em todos os lugares e
momentos, a agressividade de seus donos ou senhores. A consequência são os
levantes e, mais generalizadamente, as fugas. Em 1884, 36 escravos se revoltam
e participam de rebelião em Itaporanga, eliminando o feitor do Engenho Parati.
Repete-se, em outros pontos da Província, iguais e violentas sublevações.
O escravo fugia, especialmente das fazendas e
engenhos, formando quilombos que se estendiam do Litoral ao Sertão. Já em 1601,
escreve Felte Bezerra, os negros resistem aos castigos e perseguições dos seus
senhores. Edson Carneiro adianta que o Capitão-mór Fernão Carrilho, antes de
ser chamado para combater nos Palmares (1687-1709), tinha destroçado mocambos
de negros na Capitania de Sergipe, amando, a partir de 1670, do Governador do
Brasil, Alexandre de Souza Freire. A palavra mocambo, nome de povoado do atual
Município de Frei Paulo, significa casa do quilombo.
Os negros
formavam quilombos ou vagavam à toa, famintos, desesperados pelas matas que
cobriam a maior parte do território sergipano. Uns não resistem aos
sofrimentos, regressam “procurando padrinhos ou pessoas que os compre”. Outros
seguem em frente conduzidos pelo
sofrimento transformado em ódio. Perseguidos, aterrorizados, cabia-lhes, nessa
sobrevivência agoniada, a autoria de violências, mas o escravo não é autor e
personagem único dessas indesejadas ilicitudes.
Os escravos
fugiam e constituíam quilombos. Porém não descansavam, procurados e perseguidos,
dia e noite, pelas autoridades e alguns senhores. Não eram todos que se
prestavam a este papel ingrato, alguns senhores chegavam a proteger os cativos
fugidos.
As prisões e
perseguições não param. Os escravos fugiam, resistiam, sofriam. Não tinham
opção: de um lado o castigo do senhor, do outro, a perseguição da polícia. Eles
não se entregavam. Preferiam morrer lutando. Lutavam. Morriam. Os sobreviventes
contavam a história. Os cativos, de certo modo, viviam mortos, morriam vivendo.
Os quilombos, a esperança, eram uma possibilidade do viver livre, promessa da
vida possível. As rebeliões geradoras dos quilombos não eram, ao contrário do
que pensava Nina Rodrigues, guerras santas, religiosas, mas a presença e a
reação do homem, afirmação de classe, lutas de classe bem definida – diz João
Ribeiro.
Mas os negros,
depois da Abolição e da República, continuaram hostilizados, segregados da
sociedade oficial. Pequenos incidentes e até mesmo crimes planejados por
monarquistas ressentidos, inconformados, eram não raro atribuídos aos antigos
escravos. Jornais da época registram frequentes incêndios de canaviais, dedos
endurecidos apontando para os negros inocentes. Tais crimes, na verdade, eram
insuflados ou manipulados por monarquistas saudosistas, forma, certamente, de
eles manterem os escravos então livres envolvidos num clima de permanente
desconfiança e suspeita.
Fonte: Figueiredo, Ariosvaldo. O Negro e a violência do branco: o negro em Sergipe | prefácio de Clóvis Moura | Rio de Janeiro, J. Álvaro, 1977. 120 p.
Priscila Tintiliano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário