JOÃO MULUNGU, NEGRO LIBERTÁRIO, último e o mais sagaz líder dos quilombos de Sergipe
D’EL Rey, nascido nas senzalas do engenhos Flor da Roda, em Laranjeiras, no ano
de 1851 (presumível), escravo de propriedade de João Pinheiro de Fraga, dono do
Flor da Roda.
João Mulungu, amplamente citado por
diversos historiadores, inclusive pelo brasilianista Robert Conrad, como o mais
importante defensor da causa negra, na luta contra a escravidão, além de entre
outras citações, a cognominação de Zumbi Sergipano.
Dentre os companheiros de João Mulungu, no
ato da revolução escrava em Sergipe, destaca-se: Manoel Jurema, Pedro, Quirino,
Galdino, dentre outros.
Acredita-se que desde os anos 60 que João
Mulungu fazia parte dos grupos revolucionários, tendo em vista que Laranjeiras
era tida e havida como o berço das ideias progressistas e revolucionárias de
Sergipe, palco, portanto, da difusão dos pensamentos humanistas e d as ações
liberais como prática de liberdade, além de ter o maior e mais complexo
contingente de negros em Sergipe, provenientes de diversas tribos e nações,
combinada com as pressões internas a favor do abolicionismo, no que pese o
apartheid imposto pela Igreja através das irmandades.
O quilombo predatório ou de estrada, como
estratégias externas dos antigos quilombos africanos, foi o instrumento mais
utilizado por João Mulungu, pois a intinerância servia como cortina de fumaça
contra os batalhões da polícia em perseguições constantes. A tônica libertária
como objetivo meta, propiciou, em diversos levantes, liberdade através das
fugas, a milhares de escravos, além de fortalecer o contingente em todos os
municípios de Sergipe, como ponto de abrigo e apoio estratégico.
Ao longo de sua trajetória à frente da
revolução escrava, sua liderança foi sempre contestada pelo sistema e pelo
poder, que sempre se esmeraram para tê-lo como troféu, na batalha de manutenção
do poder.
Suas técnicas, amplamente identificadas e
utilizadas pelo sistema contra opositores e, após a execução dos atos,
declinavam a autoria a João Mulungu; foi assim por muito tempo que o governo
provincial, deu combate aos seus opositores políticos.
Por traição de um dos escravos do Flor do
Roda, de nome Seberino, João Mulungu,
foi capturado, coincidentemente nas terras do
Engenho em que nasceu e evadiu-se quando descansava com seus companheiros
à sombra dos bananais. Às 12 horas do dia 19 do janeiro, em Laranjeiras, e
imediatamente conduzido ao quartel de Divina Pastora sob guarda do capitão João
Batista da Rocha Banha, comandante da diligência.
No afã de notoriedade e na pressa em
divulgar o ato e sobressair no cenário nacional, o governo provincial dava dimensão
ao caso em seus Relatórios à Assembléia Provincial, de 1º de janeiro, fevereiro
e março, chegando a afirmar em relatório
de 1º de março, que “Pode ter 25 anos mais ou menos, é crioulo, de estatura
regular, e como bem o qualificam ‘um pouco ladino e insinuante, resignado hoje
com a sua sorte, preferindo contudo ser enforcado na praça pública a voltar
para casa do seu senhor’”. Em outro documento, o próprio governo afirma que
João Mulungu, “...o mais forte elemento da resistência, o calhambola João
Mulungu, e todos dizem ser o mais audaz, o chefe dos escravos fugidos, foi
capturado no dia 13 de janeiro corrente...”.
Efetivamente o presidente da província, João
Ferreira de Araújo Pinho, iniciou toda uma manipulação em torno do nome de João
Mulungu, divulgando sua morte, quando na verdade desde 1835 não poderiam mais
enforcar escravos no Brasil e diversos documentos, mesmo confusos, demonstram
que até dezembro João Mulungu estava vivo, sendo transferido de cadeia em
cadeia, sendo inclusive, condenado a um ano de galés, enquanto seu companheiro
Manoel Jurema era condenado à pena máxima. Efetivamente, João Mulungu foi uma
presa preciosa nas mãos do governo, que, querendo mostrar serviço, declara
extintos os quilombos em Sergipe, com a prisão e morte de João Mulungu, o que eu
na prática só fez recrudescer a ação, tendo em vista as manifestações isoladas
de diversos grupos, em toda a província, até o alvorecer de maio de 1888.
A prisão de João Mulungu e seu confinamento
histórico só serviu de instrumento para promoções das autoridades que serviam
ao sistema e tinham no mascaramento do negro sua meta de vida.
A luta do negro em Sergipe, na busca da
liberdade contra a escravidão, foi uma das mais tenazes e ferozes do Brasil,
como também feroz foi a escravidão, onde os delírios dos senhores, tornava a
escravidão ou seja os escravos, passível de qualquer penalidade, pela violência
praticada. Paradoxalmente diversos senhores de engenho davam guaridas aos
quilombolas, além de praticarem abertamente o tráfico interprovincial dos
escravos reclamados pela justiça.
João Mulungu, marco da resistência em
Sergipe, simboliza as aspirações democráticas dos sergipanos, independente da raça
ou posição econômica. Herói negro sergipano, cristalizando os anseios de
liberdade do povo brasileiro em todos os momentos em que a opressão determina a
ação e comportamento dos homens. Lutou, não pela sua liberdade, mas pela liberdade
do seu povo, seu nome, em Laranjeiras, em Sergipe e no Brasil. Deve ser tão
repeitado e reverenciado como tantos outros heróis que deram sua vida pela liberdade
de sua gente, dentre eles:
Zumbi
Lucas Dantas
Manoel Balaio
Chico Rey
Ambrósio Isidório
João Cândido
Manoel Congo
Luiza Mahim
Zeferina
Pedro Cosme, etc.
Seu reconhecimento oficial começou pelo
Legislativo de Laranjeiras, através do Decreto-Lei 407, de 08 de agosto de
1990. Em Aracaju, através da Lei 1.856, de 14 de julho de 1992 e finalmente o
Legislativo Estadual o reconhece através do Decreto-Lei 4.192, de 23 de dezembro de 1999, consagrando
o 19 de janeiro como o Dia Estadual de Luta da Comunidade Negra, em honra ao
Herói Negro de Sergipe: João Mulungu, que logo depois saudou Quintino de
Lacerda, Herói Negro de Itabaiana sagrado em setembro de 2001, pela Lei
Municipal nº 965.
Fonte: D'Acelino, Severo―Panáfrica
África Iya N'la / Severo D 117 p D'Acelino―Aracaju: MemoriAfro, 2002, 169p.
Priscila Tintiliano
projeto Interessante.Prosseguir.
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