sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O ENIGMA DE PALMARES




A Guerra dos Palmares foi um dos episódios de resistência escrava mais notáveis na história da escravidão do Novo Mundo.

 Ainda que as estimativas das fontes coevas e dos historiadores sobre o número total de habitantes divirjam bastante — de um mínimo de 6 mil a um máximo de 30 mil pessoas –,não há como negar que as comunidades palmarinas, dada a extensão territorial e a quantidade de escravos fugitivos que acolheram, tornaram-se o maior quilombo na história da América portuguesa. Suas origens datam do início do século XVII,mas sua formação como grande núcleo quilombola se deu apenas no contexto da invasão holandesa de Pernambuco,quando diversos escravos se aproveitaram das desordens militares e fugiram para o sul da capitania.

As comunidades rebeldes que então se organizaram resistiram a diversas incursões da Companhia das Índias Ocidentais e, após a expulsão dos holandeses, a ataques das tropas luso-brasileiras.

Nas décadas de 1670 e 1680, os africanos, crioulos e descendentes
alojados em Palmares eram vistos pelas autoridades metropolitanas
como “holandeses de outra cor”, por conta da ameaça que representavam
à ordem colonial portuguesa na América.Sua derrota pela força das
armas só ocorreu em meados da década seguinte,após um conflito secular
com dois dos maiores poderes coloniais europeus do mundo
moderno. Antes da revolução escrava de São Domingos (1791-1804) e
das grandes revoltas abolicionistas do Caribe inglês no primeiro terço
do século XIX, o episódio de Palmares só teve equivalente na I Guerra
Maroonda Jamaica (1655-1739) e na Guerra dos Saramaca no Suriname
(1685-1762). Nesses dois casos, entretanto, os quilombolas conseguiram
vencer as tropas repressoras, forçando autoridades e senhores a
reconhecerem a liberdade dos grupos revoltosos.

A história da derrota do grande quilombo palmarino deu origem a
um enigma que há certo tempo chama a atenção dos especialistas em
escravidão brasileira: por que não houve outros Palmares na história do
Brasil? O ponto é importante,pois a atividade quilombola se ampliou no
século XVIII, com o aumento do volume do tráfico negreiro transatlântico
e a formação dos núcleos mineratórios no interior do território,
assumindo diferentes modalidades de norte a sul da América portuguesa.
Afora as numerosas comunidades quilombolas, de dimensões e
duração variáveis, o Brasil viu aparecer no início do século XIX outra
forma de resistência escrava coletiva, presente no Caribe inglês havia
bom tempo:o ciclo de revoltas africanas que agitou o Recôncavo Baiano
entre 1807 e 18353.

A resposta que os historiadores forneceram ao enigma aponta para a
mudança na legislação escravista portuguesa. Após Palmares, dizem
eles, houve uma progressiva especificação das funções do capitão-domato
— responsável legal nas diferentes localidades da América portuguesa
pela captura de escravos fugitivos — e delimitação, nas letras da
lei, do que seria uma comunidade quilombola. A institucionalização da
figura do capitão-do-mato e a definição de quilombo como qualquer
ajuntamento composto de alguns poucos escravos fugitivos teriam
tolhido, já no nascedouro, a formação de comunidades rebeldes com as
proporções de Palmares.

Fonte: Marquese, Rafael de Bivar. “A dinâmica da escravidão no Brasil. Resistência, tráfico negreiro e
alforrias, séculos XVII e a XIX”. Novos Estudos (74). Março, 2006

Priscila Tintiliano
 

0 comentários:

Postar um comentário